Em Caracaraí, no coração de Roraima,
Onde o Rio Branco canta ao luar,
Vivia Maria, de beleza que inflama,
Com sonhos simples e o desejo de amar.
Numa festa de São João, iluminada,
Chegou o forasteiro de passos gentis,
Com chapéu de abas largas e roupa engomada,
Olhos de âmbar, sorriso que diz.
Na dança, o rio parecia vibrar,
E Maria, entregue, foi cativada.
Sob as estrelas, ao som do lugar,
Deu-se ao encanto, à paixão enlaçada.
Ao amanhecer, ele sumiu no caminho,
E as águas do Rio Branco guardaram segredo.
Mas o ventre de Maria trazia o destino,
De um amor fugaz, encantado, sem medo.
A vila murmurava com olhos severos,
“Foi o boto,” ela dizia, com voz de pesar.
Mas em Caracaraí, os julgamentos são ferros,
Que marcam a alma sem ao menos escutar.
Seu filho nasceu com traços do rio,
Olhos tão claros quanto a correnteza,
Mas a vila o rejeitou com assobios,
Esquecendo o amor e exaltando a dureza.
Maria chorava às margens do Branco,
Onde a água leva segredos e dor.
“Sou vítima do encanto, não sou um farrapo,
Meu filho é puro, merece o amor!”
E o boto? Na imensidão do rio,
Jamais voltou, nem pediu perdão.
Será ele culpado, ou apenas um fio
De lenda que vive na imaginação?
Caracaraí viu Maria lutar,
Contra o peso cruel da condenação.
Pois quem ama o rio e sabe escutar,
Não julga os mistérios da criação.
Hoje, nas águas do Branco, tão vastas,
Maria encontra seu porto final.
Seu filho é o riso que a vida desgasta,
Mas também é a força do amor imortal.
O boto? Talvez nunca saberemos,
Se é vítima ou vilão, encantador ou ladrão.
Mas Maria nos mostra que o que temos
É a escolha de amar sem condenação.
Ernandes Dantas
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